segunda-feira, 4 de julho de 2011

O INTERESSE PÚBLICO AUTORIZA O USO DOS CONTRATOS EMERGENCIAIS

Por Rosa Nina Carvalho Serra



Imagem capturada na Internet


As CHUVAS recomendam reflexão sobre uma das espécies de contratação direta que não só podem como devem ser utilizadas pela Administração Pública por regime ou estado de emergência ou de urgência, com fundamento no art.24, inciso IV da LEI N. 8.666/93, mais conhecida como Lei das Licitações e Contratos Públicos, revista, atualizada e ampliada pelas seguintes leis:, que recomendo a leitura: 8.883/94, 9.032/95, 9.648/98, 9.854/99, 10.438/2002, 10.973/2004, 11.079/2004, 11.107/2005, 11.196/2005, 11.445/2007, 11.481/2007, 11.484/2007 e legislação aplicada ao pregão.


Alguém já disse e é mesmo verdade que as EMERGÊNCIAS são a matéria mais comentável e mais discutível de quantas existam na Lei de Licitações para a contratação direta. É que nessas circunstâncias, a Lei exclui a Administração Pública do dever de licitar. Eficiência que tem como fundamento três previsões a saber: 1) quando declara dispensadas as licitações (art.17); b) quando declara dispensáveis (art.24) e; 3) quando diz serem inexigíveis (art.25).


Na primeira hipótese (art.17), de leitura clara e simples, ressalva-se a permuta por outro imóvel, que se aplica somente à União por força da interpretação em vigor do Supremo Tribunal Federal na ADI n. 927-3/RS, de 03.11.93, acerca dos limites constitucionais da lei federal frente à competência concorrente dos Estados, Distrito Federal e Municípios. É a própria lei que declara dispensada a licitação, sem submeter a qualquer risco a autoridade que contrata sem licitação, bastando-lhe demonstrar que os objetivos pressupostos da lei estão presentes, e reste tranquila aquela autoridade quanto a isso, pois que são efetivamente objetivos os pressupostos.


Sobre a eficácia suspensa dessa questão pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, afirma JACOBY FERNANDES em obra atualizada:


"O acórdão da Ação Direta de Inconstitucionlidade - ADI n. 927-3/RS, como já comentado, mostrou-se inicialmente pouco esclareedor. Posteriormente, o Ministro relator providenciou ementa aclarando o entendimento de modo a fazer prevalecer a intenção dos votos.

Com a decisão interpretando o dispositivo conforme a Constituição, deve-se entender que a eficácia não foi suspensa, em relação a União Federal. Para as demais esferas d Governo - Distrito Federal, Estados e Municípios - a permuta é possível juridicamente sem restrição em relação aos destinatários. Desse modo, a União somente pode permutar imóvel com órgão e entidade pública, enquanto as demais esferas de governo não sofrem essa restrição.

O instituto da permuta foi novamente autorizado pela Lei n. 9.636q98, art. 30, para a esfera federal, com imóveis entre suas entidades e de outras esferas de governo. Inovadoramente, porém, foi estabelecido, com acerto, que se houver condições de competitividade deverão ser observaodos os procedimentos licitatórios.

No processo TCDF n. 3.080/89, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Distrito Federal evidenciou uma permuta de discutível legitimidade, promovida sob a égide do Decreto-Lei n. 2.300/86, entre um imóvel de uma sociedade de economia mista e uma empresa particular. O primeiro, em uma das regiões mais nobres da cidade, e o segundo, mais distante do centro, em nada interessava ao órgão, tendo à época sido alegado que se edificaria uma outra filial do órgão, fato que não chegou a ocorrer. Estavam evidenciados indícios, no entendimento expressado pelo Ministério Público Especial, de falta de legitimidade da transação, além de outras irregularidades ali registradas.

De igual modo, também ao tempo do Decreto-Lei n. 2.300/86, houve decisão da terceira turma do TJDF, com a seguinte ementa:
BEM PÚBLICO. PERMUTA. NECESSIDADE DE LICITAÇÃO. Exsurge a necessidade do procedimento licitatório para a realização de permuta de bem imóvel público por bem imóvel particular, quando não demonstrado o interesse público justificador da transação, não bastando para tanto o parecer favorável da Procuradoria do Distrito Federal (fl.459).
Mais recentemente, o Tribunal de Contas da União decidiu que:

9.4. determinar à Marinha do Brasil que, doravante, nas alienações envolvendo bens imóveis, adote licitação na modalidade concorrência, consoante preceitua o art.17, I da Lei n. 8.666/93, abstendo-se de promover dispensa de licitação, exceto nos casos em que restar devidamente comprovado que o interesse da Administração não seria atendido acaso o imóvel desejado não fosse o escolhido. " (FERNANDES, J.U. Jacoby. Contratação Direta Sem Licitação. 8. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009, 259-260)



Na segunda hipótese (art.24, com seus vinte e sete incisos), o qual já falamos em outro tópico deste Blog em referência à reflexão que nos detivemos, local em que se enquadram as conhecidas contratações de emergências, não é a lei especificamente que declara assim dispensada a licitação. Na verdade, a lei apenas informa que, em ocorrendo os pressupostos, que nem sempre são objetivos mas muitas vezes decorrem de entendimentos pessoais da autoridade, esta poderá dispensar a licitação e contratar diretamente.


Nessa hipótese, portanto, diferentemente do que ocorre do art.17 (que trata sobre a alienação de bens), a lei estabelece à autoridade a responsabilidade de DEMONSTRAR que os pressupostos da dispensabilidade estão presentes. E nisso, observa-se, constitui o exame que posteriormente acontece pelos órgãos de fiscalização que, não concordando com essa demonstração, impugnam a despesa e responsabilizem o ordenador sem qualquer isenção.


No art.25 temos as contratações que a lei considera inviável a competição, ou seja, inexigível. Essa inviabilidade é reconhecida por razão material e lógica, como na hipótese de a Administração Pública pretender um parecer técnico, que sugere especialização por seu subscritor, portanto personalíssimo. Mais uma vez, como na hipótese anterior, remanesce risco no exame das contas públicas pela subjetividade presente.


Ao contrário do art.24, o 25 traz uma disposição meramente exemplificativa, ou seja, pode vir a surgir outras possibilidades de inexigibilidade que não foram alcançadas pelo legislador ordinário. Dessa forma, atente-se bem pra isso, a Administração Pública, de forma absolutamente legítima, pode vir a contratar sem licitação um objeto com fundamento no art.25, caput, que, nesse caso, dispensa indicação de inciso naquele endereço.


Pois bem, nosso objetivo é estabelecer, conforme roteiro da Lei de Licitações e Contratos e na melhor doutrina e jurisprudência, uma segurança jurídica para a contratação direta no âmbito da Administração Pública. Ingressamos assim no que propomos no título.


De início, vejamos como está disciplinada a matéria na Lei n. 8.666/93, consoante as disposições aplicáveis, seguida da Súmula do Tribunal de Contas da União que se adequa:


Novamente citamos o art. 24, que assim dispõe:



"Art24 É dispensável a licitação:

(...)


IV - nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necesários ao atendimeneto da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas dentro de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos.


(...)


Art. 26 As dispensas previstas nos §§ 2 e 4 do art.17 e no inciso III e seguintes do art.24, as situações de inexigibilidade referidas no art.25, necessariamente justificadas (...) deverão ser comunicadas , dentro de 3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos.


(...)


Art.61 (...)

Parágrafo único A publicação resumida do instrumento de contrato ou de seus aditamentos na imprensa oficial (...) será providenciada pela Administração até o quinto dia útil do mês seguinte ao da sua assinatura (...) ressalvado o disposto no art. 26 dest Lei".




A dispensa de licitação para a contratação de serviços com profissionais ou firmas de notória especialização, de acordo com alínea "d" do art. 126, § 2º, do Decreto-lei 200, de 25/02/67, só tem lugar quando se trate de serviço inédito ou incomum, capaz de exigir, na seleção do executor de confiança, um grau de subjetividade, insuscetível de ser medido pelos critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação.

Dessa leitura, primeiramente se coloca é que esse objeto pode ser licitado. Não há nenhum impedimento jurídico para isso. Dessa forma, entendendo a autoridade que a urgência não é fatal, pode determinar abertura da competição do que pretende contratar.

Pode ocorrer da autoridade entender urgente a contratação, no entanto receia e assim não age por receio de sua justificativa não ser reconhecida pelos órgãos de controle. Perguntamos, então: 1) age mal ou com omissão nessa hipótese? 2) é seu dever correr esse risco?


A boa doutrina parace indicar uma possibilidade de resposta a tais indagações. Cite-se IVAN BARBOSA RIGOLIN, que assim comenta:

"(...) salvo em casos extremos e que não ensejam qualquer titubeio pela fiscalização, como por exemplo em catástrofes, epidemias, desastres ou outros acontecimentos que abalam de um para outro momento a normalidade institucional ou a vida da comunidade; em hipóteses discutíveis, entendemos predominante o maior valor existente na Administração, qual seja a integridade do referido pescoço da autoridade.


Aquela autoridade, do nível que for, não foi eleita para assumir riscos dessa natureza, nem ganha para isso, sem será lembrado na hipótese por ter enfrentado esse perigo infando - mas que poderá ter seu mandato cassado como centenas no País já o foram por razões semelhantes, e ser responsabilizado civilmente e condenado a imensos ressarcimentos ao erário, e ser condenado criminalmente em ações de improbidade, ações civis públicas, ações populares, ações fundadas no Código Penal, dentre outros riscos implicados na sua intimorata noção de dever.


Ressalvados casos, repita-se, absolutamente incogitáveis de licitação em face de urgências inegociáveis, nenhum dever tem a autoridade de tentar justificar contratações diretas por emergência, das quais muitos administrados podem se beneficiar, mas que apresentam a dupla face do perigo com relação ao autorizador da despesa."


Dentre os motivos e acontecimentos ensejadores de contratações emergenciais podem ser enumerados como classificação didática fatores naturais e humanos. E esses, ainda, internos e externos à Administração Pública.


Como fatores naturais poderíamos citar os atos da natureza como inundações, terremotos, maremotos, tsunamis, secas, incêndios, epidemias, pragas, tempestades etc.


São fatores humanos internos à Administração capazes de ensejar contratação por emergência: imprevisibilidade da demanda interna de bens ou de serviços (medicamentos, gêneros alimentícios, materiais de expediente e outros imprevistos), a rescisão de contratos em andamento por força de ordem administrativa, a qual porventura pode ter-se visto sem o recurso que tinha etc.


O que ocorre com muita frequência e por isso considerada como grave irregularidade administrativa capaz de desaprovar as contas perante os Tribunais de Contas é a falta de planejamento reiterado de compras e serviços essenciais, o que em si já sugere desídia administrativa que obriga a certa providência. Exemplo que se cita com frequência é a prorrogação de contratos quando a regra então era licitar.


Se esse fato explica essa forma de contratação, por outro lado, não a justifica perante os órgãos de controle, como já dito.


Quanto aos fatores humanos externos à Administração Pública, costumam ser citados problemas com fornecedores, as interrupções judiciais de licitação (sobretudo, por liminares concedidas em mandados de segurança), paralisações de certas atividades por políticas administrativas ou rescisões ocasionais.


É importante dizer que todas as espécies de objetos contratáveis se prestam a contratações emergenciais com o poder público, claro, se as circunstâncias assim o exigirem.


Nesse processo nada obriga a juntada de muitos orçamentos como pesquisa de mercado. O preço do contratado é que deve ser justificado, sem obrigatoriedade de vantagem ou de conveniência.


Quer se esteja diante de um estado de calamidade pública (que precisa ser decretada pelo Executivo), quer se apresente uma emergência que não exige formalização para caracterizar-se, é importante demonstrar a necessidade da contratação e disso dependerá a confirmação pelos tribunais de contas.


Nesse sentido, é importante dizer que as contratações diretas não costumam ser examinados por amostragem, mas por varredura - o que exige cuidados adicionais, sobretudo quanto à gestão e fiscalização na sua execução (aliás, o que sempre devem ocorrer). Esses contratos são exceções e portanto muito mais monitorados sobre aspectos da legalidade, de direcionamento e de mérito pelos órgãos de controle (cada vez em maior número).


Dessa forma, PENSO QUE: 1) na dúvida sobre a caracterização de emergência, que se licite; 2) os serviços de assessoria/consultoria se revelam imprescindíveis nos processos decisórios; 3) que a administrador se municie de qualquer meio de prova da urgência, da emergência e do estado de necessidade (até os objetos que por dificuldade física não podem ser anexados ao processo, devem restar a eles vinculados e preservados enquanto precisar existir o processo; podendo inclusive ser consultados); e) 4) que se atente para a publicação do extrato do contrato em imprensa oficial consoante passamos a considerar em sequência.


Sobre a publicação a ser obedecida nessa espécie, que não diverge muito de quando ocorre alicitação, há que observar que não se confudem com os documentos que devem constar na instrução do processo conforme indicação expressa do Art.26 da Lei de Licitações e Contratos, que se cita: a caracterização da situação emergencial, a razão da escolha do contratando e a justificativa do preço.


Como já foi dito, o que se deve publicar é apenas o EXTRATO DO CONTRATO com as seguintes informações, essas sim obrigatórias: 1) a ratificação pela autoridade competente, superior ao interessado, da caracterização da situação emergencial, que foi procedida pela unidade administrativa com base nos elementos fáticos que tiver; 2) o nome do contratante e do contratado; 3) o objeto; 4) o valor; 5) o prazo de execução, quando não for de entrega imediata; 6) a rubrica orçamentária (facultativo); e algum outro detalhe considerado importante e também de uso facultativo.


O prazo a ser cumprido pela Administração Pública, obrigatoriamente, é de 5 (cinco) dias para enviar ao veículo responsável - que é o responsável pelo dia da publicação.


É importante também ressalvar que, ainda que a Administração Pública perca esse prazo, deve providenciar a publicação, ou seja, mesmo que de forma intempestiva (com as datas e os dados reais), a fim de atender ao princípio constitucional da publicidade, de que já nos referíamos em outra nota.


A propósito disso, o Tribunal de Contas da União já se pronunciou quanto a demora na formalização desses atos por mais de 30 (trinta) dias; o que consideram como inexistência da alegada emergência. Nesse caso, admite inclusive a responsabilização do ordenador da despesa se houver autorizado.


Ainda sobre a questão, também se observa que a não publicação ou o atraso não invalidam o contrato, sobretudo se efetivamente teve execução. O que pode ocorrer, no caso, é a responsabilização de quem deu causa por desídia, inclusive em instância cível pelos danos ocorridos.


Vale dizer também que a publicação não é condição para o início do contrato, uma vez que é emergencial.


A publicação só deve ocorrer por uma vez; dispensando-se assim a que seria devida pelo art.61.


Quanto à imprensa oficial em que deve ocorrer, é aquela definida no inciso XIII do art.6 da Lei n. 8.666/93.


Sobre o controle desses contratos, como já se disse, acontece de forma absoluta por parte dos Tribunais de Contas que inclusive podem requisitar informações a qualquer hora e sustá-los por razões de legalidade, economicidade, finalidade, interesse público, motivação etc.


Quanto à possibilidade de serem prorrogados, um alerta. Ainda que a Lei tenha limitado a sua duração em 180 (cento e ointenta) dias do evento que justifica a celebração, por razoabilidade, não se admite que não possa ser renovado um novo contrato em um novo proceso, mesmo que com a mesma pessoa física ou jurídica e nas mesmas condições, enquanto persistir a emergência que o legitimou.


Se não se extrapolou ainda o prazo de 180 (cento e oitenta) dias, o caso é mesmo de prorrogação.


Em todo caso, recomenda-se também que se formule uma consulta ao Tribunal de Contas do Estado ou da União; dependendo, é claro, dos recursos que serão utilizados.



Sobre acréscimos ou supressões de objeto que impliquem em alteração de valor de até 25% de aumento do inicial atualizado, que tem previsão no art. 65, §1, da Lei n.8.666/93, não tem a menor aplicabilidade e nem mesmo tem sentido quando se trata desses contratos emergenciais, que podem ser acrescidos e, 2.500%, ou em 250.000%, ou em qualquer outro percentual, se a necessidade da Administração assim o exigir, bastando que o demonstre na instrução do processo.


Nesse tema, a demonstração de que a contratação direta foi a via adequada e efetiva para elidir o risco de dano ao interesse público não é suficiente para legitimar a atuação do administrador público. Deverá ser comprovada e documentada a presença dos requisitos legais que lhe autorizam, sujeitando o administrador público ao cumprimento das disposições da Lei n.º 8.666/93.


Questão que deixamos para o final e que requer melhor exame são as contratações de pessoal e dos serviços de informática como justificativas da dispensa. Questões polêmicas e que iremos tratar em outra reflexão.



REFERÊNCIAS


BRASIL. Lei n. 8.666, de 21 de janeiro de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Brasília: Senado Federal, 1993.

FERNANDES, J.U. Jacoby. Contratação Direta Sem Licitação. 8. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009.

RIGOLIN, Ivan Barbosa. Contratos Emergenciais. Revista de Administração Pública e Política L & C . N.104. Brasília: Editora Consulex, fevereito/2007.

Fonte: Blog da Rosa Nina Carvalho Serra – Clique aqui para conferir a matéria


Nenhum comentário:

Postar um comentário