terça-feira, 28 de junho de 2011

A PROGRESSIVIDADE DOS IMPOSTOS (*)



A existência de impostos numa determinada economia está ligada à necessidade de o Estado se financiar e no que tem que oferecer nos serviços básicos.


Os princípios que lhe fundamenta são: o princípio do benefício, segundo o qual a tributação das pessoas deve ser feita de acordo com os benefícios que retiram das ações do Estado; o princípio da capacidade de pagamento, segundo o qual a carga fiscal deve ser imposta de acordo com a capacidade de as pessoas a suportarem, ou seja, de acordo com a riqueza e o rendimento auferido por cada um; e o princípio utilitário, segundo o qual a cobrança de impostos deve ser distribuída pela sociedade de tal modo que permita a maximização do bem-estar social. O segundo e o terceiro princípios referidos encontram-se associados, na medida em que ambos implicam, em última instância, o privilegiar da cobrança de impostos aos de maior riqueza, na medida em que se assume que essa solução, ao implicar um menor sacrifício aos mais ricos do que aquele que implicaria aos mais pobres, permite atingir e um nível mais elevado de utilidade social.


Pois bem. A Constituição Federal de 1988, ao tratar da competência dos municípios para instituir impostos, previu o Imposto Sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), o Imposto de transmissão inter vivos (ITBI) e o Imposto sobre Serviços (ISS). Quanto ao IPTU previu, desde logo, que tal imposto poderia ser progressivo no tempo, de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade.


Não obstante essa previsão para função extrafiscal, alguns municípios brasileiros, exercitando a competência que lhe foi endereçada no texto constitucional federal, passaram a instituir a cobrança do IPTU com alíquotas progressivas de acordo com o valor do imóvel; surgindo, dessa forma, enorme controvérsia sobre a constitucionalidade dessa tributação.


Até a Emenda Constitucional n° 29/2000, o Supremo Tribunal Federal decidia reiteradamente que não poderia existir essa progressividade. Especialmente, nas alíquotas no IPTU. O argumento era que só havia como previsão a de atender a função social do imóvel1.


Outro argumento que se ergueu foi quanto à natureza dos impostos. Os que têm caráter real2, sustentam, são incompatíveis com a progressividade, quer por fundamento no artigo 145, §1° (princípio que encerra uma autorização e uma limitação), quer pela não autorização expressa no endereço constitucional.


Com a nova redação do artigo pela Emenda 29, estabeleceu-se então que duas modalidades do IPTU poderiam ser possíveis: a extrafiscal, fundada no poder regulatório para ordenar as funções sociais da propriedade urbana, como então já prevista no texto constitucional; e a fiscal, nova previsão, fundada no interesse arrecadatório. Vejamos:


Art. 156 Compete aos Municípios, instituir impostos sobre:

I – propriedade predial e territorial urbana;

(...)

§1° Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o artigo 182, §4°, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá:

I – ser progressivo em razão do valor do imóvel; e

II – ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel.


Pois bem. Com essa nova redação, dúvida não mais existiu sobre a progressividade desse imposto, ainda que tenha natureza real.


Sobre isso, abriu nova divergência o Min. Eros Grau, asseverando “que todos os impostos estão sujeitos ao princípio da capacidade contributiva, mesmo os que não tenham caráter pessoal, e o que esse dispositivo (art.145, §1°) estabelece é que os impostos, sempre que possível, deverão ter caráter pessoal. (...) Assim, todos os impostos, independentemente de sua classificação como de caráter real ou pessoal, podem e deve guardar relação com a capacidade contributiva do sujeito passivo” (conforme RE 562045/RS, rel. Min. Ricardo Lewandonski, 17.09.2008).


A importância dessa votação reflete não só na mudança de orientação do Supremo em relação à aplicação do princípio da capacidade contributiva (especialmente, sobre o IPTU), como abriu portas para que o mesmo entendimento fosse aplicado aos demais “impostos reais”, como o do ITBI. Esse, particularmente, não teve reconhecida a igual progressividade, ainda, por entender, aquele Tribunal, que não há autorização expressa no texto constitucional.


A questão remete à discussão do que contém o parágrafo 1°, do artigo 145, da Constituição Federal e que consagra a capacidade contributiva3 como princípio constitucional. Alguns doutrinadores sustentam que a utilização da progressividade não exige expressa previsão naquele texto, uma vez que decorre da própria isonomia. Mas embora parte da doutrina assim admita, como dito, o impasse permanece sem solução no Supremo Tribunal Federal, o que reclama urgência de melhor doutrina. Só nos resta, então, acompanhar e torcer para que chegue mais cedo que a Reforma.

(*) Por Rosa Nina Carvalho Serra. Economista. Advogada. Pós Graduada em Administração Pública e Controles e Especializanda em Direito Municipal pela Universidade Anhaguera/Rede LFG.

NOTAS

1. Sobre a distinção entre impostos reais e pessoais: Real é o imposto que se intitui em razão da parcela do patrimônio de alguém, configurado numa coisa, sem visualizar sua situação global. Já o imposto pessoal é o que se institui em função da pessoa do obrigado, considerando sua capacidade contributiva global. A partir da classificação dos impostos em pessoais e reais, parte da doutrina que se apóia na italiana, considera que o critério da progressividade não se aplicaria aos impostos reais, exceto, excepcionalmente, por expressa previsão constitucional brasileira, o IPTU. Outros, mesmo antes da Emenda 29/2000, possuem entendimento diverso. Que o legislador constituinte, por pretender a realização da justiça fiscal, previu que os impostos tivessem caráter pessoal – sempre que possível.


2. Cf. transcrição: Art. 182 A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixada em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. (...) §4° É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: (...) II- imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

3. A aplicação do princípio da capacidade contributiva nos impostos reais se realiza na escolha do fato gerador, mas pode se realizar também através da graduação das alíquotas a partir de outros aspectos presuntivos de capacidade contributiva, como a essencialidade do bem tributado, no IPI e no ICMS, e o valor venal do imóvel ou do automóvel, no IPTU e no IPVA.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 3ª edição rev. atual. e ampl. São Paulo: Método, 2009.


BRASIL. Constituição Federal de 1988. Brasília. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm >. Acesso em 19 de maio de 2011.


BRASIL. Código Tributário Nacional. Brasília. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5172.htm >. Acesso em 19 de maio de 2011.


CONTI, Maurício. O Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI). Principais Questões. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/DOUTRINA/texto.asp?id=1401. Acesso em 07/05/2011. Material da 3ª aula da Disciplina Direito Tributário, Previdenciário e Financeiro, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu Televirtual em Direito Municipal-UNIDERP-Rede LFG.


PESSÔA, Leonel Cesarino. IPTU, Impostos Reais e Progressividade. Disponível em < http://www.mundojuridico.adv.br/cgi-bin/upload/texto.1119.rtf >. Acesso em 24 de junho de 2011. Artigo publicado originalmente no número 60 da Revista Tributária e de Finanças Públicas, da Editora Revista dos Tribunais. (ano 13, janeiro/fevereiro de 2005).

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