Quando
uma pessoa sentou-se no divã e, diante de Rubem Alves disse: "Acho que
estou ficando louca, pois adoro cozinhar, faço isso todo dia e hoje, ao
cortar uma cebola, percebi que nunca havia visto uma cebola", ele lhe
respondeu: "Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta... Os poetas ensinam a ver".
Rubem Alves disse mais: "Ver
é muito complicado. Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos
dos sentidos, são os de mais fácil compreensão científica. A sua física
é idêntica à física óptica de uma máquina fotográfica: o objeto do lado
de fora aparece refletido do lado de dentro. Mas existe algo na visão
que não pertence à física".
Sobre a cebola, Pablo Neruda disse: "Rosa de água com escamas de cristal".
Enquanto Adélia Prado disse "Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra", a pedra vista por Drummond deixou de ser uma pedra e virou um poema.
A
visão que uma pessoa tem de uma árvore não é a mesma que outra a tem, e
nem mesmo daquela própria, se olhada de um ângulo ou em horário
diferente. Os ângulos, as sombras e os raios solares provocam visões
distintas a cada segundo.
O
mesmo ocorre quando relemos um livro que havíamos lido vários anos
atrás. Tudo o que vivemos, ouvimos, falamos e aprendemos nesse período,
fará com que interpretemos o mesmo livro de maneira totalmente distinta.
Trechos pelos quais passamos despercebidamente agora significam muito
e, outros, para os quais demos muita importância agora já não nos atraem
tanto.
Em
determinada ocasião, comentei com um grupo de pessoas, de idades
variadas, que estava gostando muito de fotografias, que já havia feito
dois cursos, que pretendia fazer outros, e que no domingo anterior havia
ido a uma praça exclusivamente para fotografar flores, quando um dos
que me ouviam logo disse que fotografar flores era coisa de viado. Nem
respondi, porque com pessoas como essas não vale a pena sequer dialogar.
Como
homem que viveu a maior parte de sua vida no meio rural, hoje vejo
claramente que, na juventude, só queria andar a cavalo, trabalhar o
gado, sem jamais procurar saber para que serve uma casca de angico, a
cinza do fogão de lenha, a casca de quina, a folha de unha de vaca, o
chá da folha da lixeira e tantos outros ensinamentos que os homens do
campo possuem, mas só quando adultos nós procuramos com eles aprender.
Levei
mais de quatro décadas para começar a enxergar coisas pelas quais havia
passado a vida toda, sem dar-lhes a menor importância, como a beleza
das árvores que se transformavam durante as estações do ano. Secavam,
pareciam mortas, depois floriam, semeavam e outras frutificavam.
Aprendi
como, nessas estações, os animais também se transformavam. Os pássaros
botavam seus ovos, as vacas e as éguas entravam no cio, tudo de modo
que suas crias nascessem na época mais apropriada, quando houvesse mais
alimentos, para que as mães, bem nutridas, pudessem também alimentar
melhor seus filhos.
Com
esse aprendizado, os homens passaram a, imitando a natureza, criar
estufas para a produção de flores diversas, irrigar suas lavouras, fazer
inseminação artificial em suas vacas e fazer com que seus garanhões
cubram suas éguas no tempo correto, para que criem na melhor época.
Esse
aprendizado só ocorreu porque alguns "viram" o que ocorria ao seu redor
e não somente passaram por lá sem realmente observar o que acontecia.
Ver é um aprendizado diário para aqueles que possuem olhos ou não.
João Bosco Leal*
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