Ao companheiro da
juventude:
Manuel Maria Magalhães
Recentemente falecido.
Despreocupadamente, vagueio ao longo de estreito carreirito de terra pardacenta, entalado entre campas rasas, no cemitério local.
Diante de mim, ladeando o caminho, há jazigos, de mármores brancos, bem cuidados, alegrados de frescas flores, que adoçam enjoativamente o leve ar doirado da manhã; e outros, desventrados, enegrecidos, de densa poeira, de pedras e cruzes quebradas.
Em todos ou quase todos, tristes palavras de saudade eterna.
Agora reparo numa singela capelinha, toda branca, toda resplandecente, faiscando à macia luminosidade da manhã coberta de sol. Nela, lê-se, inscrito a negro, a palavra - “Ninguém”.
Ninguém?! Sim, ninguém! Para quê mencionar nomes!? Já não existem!; e muitos morreram, também, no coração de amigos e familiares.
Com eles, pareceram, igualmente: os da sua geração, os objetos que usaram, e, quantas vezes, a casa onde nasceram e viveram.
Tudo desapareceu. Tudo mergulhou no pó do esquecimento. Existiram, mas é como nunca existissem.
Piso a terra sagrada, respeitosamente; há nela gerações desaparecidas, metamorfoseadas, transmudadas em seiva, que corre nas verdes folhas dos velhos ciprestes do cemitério.
Sob a terra que calco, apodrece quem: riu, sonhou, sofreu e chorou. Os que receberam acotoveladas e ingratidões. Os que amaram e odiaram com ardor. Todos irmanados, todos reduzidos a pó. Como se nunca tivessem nascido e vivido.
Pensativo, melancólico, taciturno, meditando na vida e na morte, nas vaidades e orgulhos, na cobiça e na inveja, regresso tristemente a casa.
Por desfastio, folheio volume encadernado a percalina preta, com filetes a prata, do ano de 1913, da “Ilustração Portuguesa”.
Diante de meus olhos míopes, passam, a preto e branco, imagens de: artistas, jornalistas, escritores, empresários, professores, políticos de sucesso. Figuras iminentes, incontornáveis, inesquecíveis; mas, para mim, homem do século vinte e um, ilustres desconhecidos, que as enciclopédias esqueceram-se de registar.
Compara-se a morte a uma porta; à passagem de um rio; ao sono reparador; à feia lagarta, que se torna na bela borboleta. Para mim, a morte, é o segundo nascimento:
Sai a criança das trevas para a luz; morre o homem da ignorância para a Verdade. E sempre, nos nascimentos, há: choro e dor.
Brevemente os crentes, irão visitar seus mortos. Bonita e significativa tradição.
Costume, pelo facto de o ser, perdeu significado. Felizmente, a maioria, ainda conserva respeito, lembrando-se, que em breve - anos ou décadas, - serão pó, serão nada: sejam sábios ou iletrados, ricos ou pobres.
Tudo passa. Tudo desaparece. Tudo se extingue. Tudo se torna terra e poeira; em poalha; em polvilho de nada.
HUMBERTO PINHO DA SILVA - Porto, Portugal
publicado por solpaz às 10:39
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