terça-feira, 22 de outubro de 2013

A BRAGANÇA QUE CONHECI - Por HUMBERTO PINHO DA SILVA

  









Na década sessenta, residi em Bragança. Foram quase quatro anos passados no BC3, onde cumpria serviço militar, e com família brigantina, que recebia hospedes.

Nesse tempo, a cidade tinha um ar provinciano. Não havia largas avenidas nem movimento, e o comércio era pouco desenvolvido.

Mas era burgo acolhedor, e população que sabia receber, como poucos, os forasteiros.

Meus passeios favoritos eram pelos arrabaldes, em companhia de amigos. Chegamos a ir, a pé, a França, e muitas vezes a Gimonde, ou deambulávamos pela empinada estrada, que servia a pousada.

Tive muitos amigos, cujos nomes esqueci. Recordo que um era bibliotecário da Gulbenkian. Em dia e hora certa, estacionava a carrinha na Praça da Sé. Era um gosto ver crianças e estudantes, em busca de leitura.

Frequentávamos, entre outros, as cafetarias: “ Chave d’Oiro“ "Lisboa ",  “ Central “, e por vezes, o” Floresta “.

Mais tarde, apareceu, virado para a velha Sé, o “ Florida “. Era o último grito. O café da moda.

Mas sempre, o mais elegante foi o” Chave d’Oiro” e o “ Poças “, que era pensão bem frequentada, com pessoal simpatiquíssimo.

À noitinha, depois do Sol recolher-se, nos dias quentes de Verão, passávamos pelo café “ Floresta “, e ficávamos a cavaquear, pela noite dentro, no jardim sobranceiro ao Fervença, que só se enfurecia no pino do Inverno.

Nesse amplo terreiro, reuniam-se os jovens, em magotes, ou aos pares de namorados, a passearem ao som de música alegre.

Estava em voga o Roberto Carlos, que “ mandava tudo para o inferno”.






Dos médicos, da cidade, conheci o Flores. Clínico que usava formulas “ milagrosas”, que diziam serem eficazes.

Havia também o Pires, famoso pelos numerosos filhos.

Nessa época, o BC3, era composto por casarões, mal amanhados, que nem cercado tinham. Vi, mais tarde nascerem, quase pegado, o novo quartel.

 Convivi com o sargento Mário, que era solteiro, e tinha uma filha pequena. Vivia numa pensão, no centro.

Homem atencioso, quase paternal, apesar da rigidez militar.

Deixou-me o cargo que ocupava nas Escolas Regimentais, onde Padre Telmo, de longe a longe, fazia curiosas palestras.

Guardo, como recordação, louvor, pela forma como orientei o ensino. O professor Bi, soube fazer exames tão acessíveis, que todos passaram, e todos receberam diploma. Decorrido alguns anos, já a viver no Porto, indo de comboio paras Bragança, fui abordado por homem, bem aprumado e musculoso, fardado de polícia e de largo sorriso no rosto. Cumprimentou-me de mão estendida:

- Já não me conhece? Fui seu aluno. Graças a si obti o diploma que me permitiu entrar na polícia.

Nunca mais me esqueci disso.

Voltemos ao sargento Mário.

Certa vez ,já no Porto, a conversar com senhora, na rua do Bonjardim, ao saber que era de Vinhais, perguntei-lhe, se conhecia o 1º sargento Mário.

Respondeu-me que sim. Chegou, em menina, a ter namorico com ele. Coisas de crianças.

Como vêm o mundo não é tão grande como se pensa.

Acicatado pela saudade, fui mais tarde visitar Bragança. Encontrei-a remoçada. Vestida de vestes mais citadinas; mas senti saudade da cidade de outrora; e conservo, ainda, lindas recordações de cenas de profunda ternura, que cavaram bem fundo, e gravaram-se para sempre.




HUMBERTO PINHO DA SILVA   -   Porto, Portugal



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