Na
década sessenta, residi em Bragança. Foram quase quatro anos passados
no BC3, onde cumpria serviço militar, e com família brigantina, que
recebia hospedes.
Nesse tempo, a cidade tinha um ar provinciano. Não havia largas avenidas nem movimento, e o comércio era pouco desenvolvido.
Mas era burgo acolhedor, e população que sabia receber, como poucos, os forasteiros.
Meus
passeios favoritos eram pelos arrabaldes, em companhia de amigos.
Chegamos a ir, a pé, a França, e muitas vezes a Gimonde, ou
deambulávamos pela empinada estrada, que servia a pousada.
Tive
muitos amigos, cujos nomes esqueci. Recordo que um era bibliotecário da
Gulbenkian. Em dia e hora certa, estacionava a carrinha na Praça da Sé.
Era um gosto ver crianças e estudantes, em busca de leitura.
Frequentávamos, entre outros, as cafetarias: “ Chave d’Oiro“ "Lisboa ", “ Central “, e por vezes, o” Floresta “.
Mais tarde, apareceu, virado para a velha Sé, o “ Florida “. Era o último grito. O café da moda.
Mas sempre, o mais elegante foi o” Chave d’Oiro” e o “ Poças “, que era pensão bem frequentada, com pessoal simpatiquíssimo.
À
noitinha, depois do Sol recolher-se, nos dias quentes de Verão,
passávamos pelo café “ Floresta “, e ficávamos a cavaquear, pela noite
dentro, no jardim sobranceiro ao Fervença, que só se enfurecia no pino
do Inverno.
Nesse amplo terreiro, reuniam-se os jovens, em magotes, ou aos pares de namorados, a passearem ao som de música alegre.
Estava em voga o Roberto Carlos, que “ mandava tudo para o inferno”.
Dos médicos, da cidade, conheci o Flores. Clínico que usava formulas “ milagrosas”, que diziam serem eficazes.
Havia também o Pires, famoso pelos numerosos filhos.
Nessa
época, o BC3, era composto por casarões, mal amanhados, que nem cercado
tinham. Vi, mais tarde nascerem, quase pegado, o novo quartel.
Convivi com o sargento Mário, que era solteiro, e tinha uma filha pequena. Vivia numa pensão, no centro.
Homem atencioso, quase paternal, apesar da rigidez militar.
Deixou-me o cargo que ocupava nas Escolas Regimentais, onde Padre Telmo, de longe a longe, fazia curiosas palestras.
Guardo,
como recordação, louvor, pela forma como orientei o ensino. O professor
Bi, soube fazer exames tão acessíveis, que todos passaram, e todos
receberam diploma. Decorrido alguns anos, já a viver no Porto, indo de
comboio paras Bragança, fui abordado por homem, bem aprumado e
musculoso, fardado de polícia e de largo sorriso no rosto.
Cumprimentou-me de mão estendida:
- Já não me conhece? Fui seu aluno. Graças a si obti o diploma que me permitiu entrar na polícia.
Nunca mais me esqueci disso.
Voltemos ao sargento Mário.
Certa
vez ,já no Porto, a conversar com senhora, na rua do Bonjardim, ao
saber que era de Vinhais, perguntei-lhe, se conhecia o 1º sargento
Mário.
Respondeu-me que sim. Chegou, em menina, a ter namorico com ele. Coisas de crianças.
Como vêm o mundo não é tão grande como se pensa.
Acicatado
pela saudade, fui mais tarde visitar Bragança. Encontrei-a remoçada.
Vestida de vestes mais citadinas; mas senti saudade da cidade de
outrora; e conservo, ainda, lindas recordações de cenas de profunda
ternura, que cavaram bem fundo, e gravaram-se para sempre.
HUMBERTO PINHO DA SILVA - Porto, Portugal
publicado por solpaz às 10:45
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