Nem sempre o anexim é exacto, quantas vezes, por muito trabucar, é que nunca se passa, como diz o povo: da cepa torta.
Convivi,
nos meus tempos liceais, com filho de modesto lavrador, que em menino,
todos os dias - fizesse sol ou chuva, - acompanhava os irmãos, nas
tarefas campestres.
Enquanto
rasgavam sulcos na terra parda, para a água irrigar a viçosa horta, o
preguiçoso, permanecia, cantarolando, de papo para o ar, apanhando sol
ou jogando pedrinhas.
Bem
lhe ralhava, o pai, ameaçando-o com severos castigos, e não poucas
vezes, pedia auxilio à sibata e ao cinto de celeiro, na esperança que
fossem milagreiros.
Desesperado, após confidenciar com a mulher, assentou enviá-lo para a cidade, como marçano, na lojinha do primo.
Poucos dias decorreram, quando recebeu carta, dizendo que o mocinho era desobediente e nada queria fazer.
Lembraram-se,
a conselho do Sr. Abade, matricula-lo no liceu. Ao interrogá-lo,
respondeu: que sim, se não houvesse a palmatória, que tanto trabalhara
na “primária”.
Preguiçando, estudando em cima dos exames, copiando e colando aqui e ali, completou o curso.
Tornou-se
abastado advogado, enquanto os irmãos, por serem trabalhadores,
terminaram a velhice a labutar a terra, com modestíssimos rendimentos.
Outro assunto; o mesmo tema:
Nos anos cinquenta, meu pai, conheceu religiosa, muito risonha, de olhinhos vivos e gaiatos, que, cavaqueando, confidenciou-lhe:
-
“ Fui mulher de limpeza num hospital dirigido pelas Irmãs
Hospitaleiras. Diziam-me: “ Altina, limpe aqui! Altina, precisa de ter
mais cuidado!" Os médicos eram mais duros: “ Altina, parece que tem ovos
debaixo dos braços! Altina, quer que me queixe à madre superiora!?"
Agora, que sou freira, tratam-me carinhosamente por irmã, e até o Sr.
director, beija-me respeitosamente, a mão!”
Outra história, não menos curiosa:
Décadas
a traz, havia em terras transmontanas, freira que passava as férias na
aldeia natal. Ao perguntarem-lhe se gostava da vida religiosa,
prontamente respondia, muito espevitada:
-
“Aqui na aldeia tinha que levantar-me de madrugada para apanhar
azeitona, em pleno Inverno. Mondava até quebrar a espinha e ceifava até o
suor cair em bica. Agora tenho criadas para os serviços pesados…”
Mais outra, não menos interessante:
Com a chegada da democracia, a Portugal, chegaram pastores evangélicos, com mulher e filhos.
Quase todos levavam vida folgada. Os crentes murmuravam, em surdina, que auferiam salários principescos.
Jovens,
constatando que era menos penoso ser pastor do que padre, tiveram
súbitas “ conversões” e “vocações”, na esperança de vida melhor, do que
lavrar terra e trabalhar na oficina.
Pobre
diabo – salvo seja! - de S. Mamede Infestas, que percorreu seis
denominações e terminara em pequeníssima garagem, com meia dúzia de
fieis, lamentava-se, com pontinha de inveja, que cozinheiro afortunado,
tornou-se pastor e ganhava seis contos mensais! - e com largo gesto
desanimador, rematava: limpinhos! …limpinhos! …
Com
isto termino, dizendo, embora pareça paradoxo, que quem muito se
afadiga, nem sempre tem sorte, já que este permeia, quantas vezes, quem
não gosta de trabucar.
Bem diz o nosso povo: ninguém chega a rico, trabalhando...
HUMBERTO PINHO DA SILVA - Porto, Portugal
publicado por solpaz às 10:37
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