sábado, 17 de novembro de 2012

A INGRATIDÃO DOS FILHOS - Por HUMBERTO PINHO DA SILVA







 
      À sombra de frondoso castanheiro, na vizinhança de carriça transmontana, a velhinha fia. Tem o rosto sulcado pela goiva do tempo, olhos sumidos, lábios finos e sorriso desdentado.

      Fia; e o fuso: gira… gira… e gira… pressionado pelos descarnados dedos. Foi moça fagueira: esbelta, de farta cabeleira calamistrada e de belas faces coradas. Casou; foi mãe. Criou filhos, que abalaram. Todos partiram: uns, para o Céu; outros, em busca de vida melhor.

      Ficou; mergulhada em saudade e nos cuidados de quem a deixou.

      De tempo a tempo telefonam, escrevem. Prometem interná-la num lar. Daqueles onde se guardam pais e mães que deixaram de ser prestáveis.

      Cuidou dos filhos com amor: ensinou-os a caminhar, a comer, a portarem-se à mesa; aparou a baba que lhes escorregava do beicinho; enxugou-lhes o húmido nariz; branqueou-lhes a roupa enegrecida pela traquinice da juventude; passou horas de agastamento à cabeceira do berço. Os meninos eram tudo e tudo era para eles.

      Agora é a mãe que carece de mão amiga: quem a ampare; quem cuide; quem lave a veste enodoada; quem apare as unhas endurecidas; quem trate do maneio da casa; quem desvele para que nada falte.

      Mas os filhos não têm disponibilidade... Olvidam que chegou o tempo de retribuírem; esquecem-se de pagarem os cuidados, os carinhos que amorosamente receberam.

      Meditativa, embebida em alegres recordações, a velhinha fia; pelos desgastados olhos desenrolam-se cenas amorosas, recreações pueris, que a memória afectuosamente guardou.

      Agora só Deus permanece com ela. Só Ele ficou. Os gerados de suas entranhas, esquecem-se que: a felicidade, a riqueza que usufruem, é fruto daquela encarquilhada velhinha, que junto à pobre carriça, arrimada ao castanheiro, fia... fia... fia…sem parar.


       Ziguezagueantes lágrimas de saudade, docemente deslizam pela face, que o tempo e o Sol riscaram impiedosamente.

      A velhinha chora; e muito baixinho, em discreto sussurro, quase inaudível, pode-se ouvir:

      “Coitado! Tem muito que fazer…; a culpa é da mulher... Trabalha muito...; por vontade dele já estava na sua casa…” e ténue sorriso enche-lhe a boca de festivos risos.



HUMBERTO PINHO DA SILVA   -   Porto, Portugal




publicado por solpaz às 11:20
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