sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

O JEITINHO - Por HUMBERTO PINHO DA SILVA



   
Era ainda cachopo quando presenciei esta cena caricata, que jamais esqueci:

Amigo de meu pai tinha um filho, que era negação para as letras. Com jeitinhos chegou ao quinto ano liceal, mas o inglês é que, por mais explicadores que tivesse, não lhe entrava na cabeça. Escrito, ainda dava um jeito, mas falado… era o diabo.

Sabendo que meu pai era amigo de professor, que certamente iria fazer o exame, veio pedir-lhe para interceder. O moço precisava do diploma, para poder concorrer a emprego decente.

Como se sabia que o dito professor, todos os domingos, assistia à missa em determinada igreja, meu pai compareceu no adro, para solicitar-lhe benevolência e água-benta para o rapaz.

A igreja era frequentada, também, por médico, amigo de meu pai, que ao vê-lo apressou-se a cumprimenta-lo.

Conversavam, quando apareceu o professor.

Meu pai fez o pedido, e pintou o drama do mocinho, apelando para o facto de também ser pai.

O professor, meio atrapalhado, esfregava as mãos, mordia os lábios, olhava para o céu, como procurasse inspiração, e declarou:

- Na oral, pode contar comigo… mas na escrita…

Nesse momento, o médico, virando-se para o assarapantado professor, disse:

- Ora…Você não conhece a letra dos seus alunos?!…

- Sim…Mas… - respondeu o homem.

- Mas…Quando vai ao meu consultório pedir atestado, por ter estado doente, eu sei que é falso… mesmo assim, faço-lhe o favor de acreditar…

- Mas…Compreende…Não posso…; não devo…; não gosto…; nem seria justo…

- Pois eu também não gosto de fazer ilegalidades…; portanto: só passo atestados, sabendo que realmente esteve doente… - Concluiu o médico, que tinha um coração de oiro, segundo constava.

Não sei se o professor fez ou não o jeitinho. Apenas sei que o rapaz parece que passou.

Tudo isso ocorreu há muito mais de meio século, mas creio, que a cunha e o jeitinho continuam…

É instituição nacional. Há quem diga que não faz favores, para não ser incomodado; mas, quando, quem o pede, é pessoa de peso, e pode-lhe fazer jeitinhos…lá vai, muito contrariado, intercedendo… Não vá o diabo tecê-las, e vir a precisar…É que a porta pode fechar-se… em nome da legalidade…

Não sou a favor de jeitinhos, mas por vezes, pode mudar uma vida…sem prejudicar, seja quem for.




HUMBERTO PINHO DA SILVA - Porto, Portugal
publicado por solpaz às 10:58

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

POR QUE SOMOS POBRES ? - Por HUMBERTO PINHO DA SILVA


  

É frequente ouvir que somos uma nação pequenina e de poucos recursos. Todavia há países menores e mais pobres, e o nível de vida é bem mais elevado.

Portanto: não é essa a razão por que vivemos sempre de crise em crise.

Poderia, e seria mais fácil, responsabilizar a classe política, mas parece-me que a culpa das nossas eternas dificuldades, não reside nos governantes que temos, mas no povo que somos.

Ouço, a cada passo, criticar o deficiente ensino, a falta de hospitais bem apetrechados e a ausência de serviço de saúde capaz.

Mas muitos, que descem a terreiro para lamentar, que não temos escolas, nem professores bem remunerados, muitas vezes são os mesmos que se vangloriam por conseguirem sonegar os impostos, que lhes são devidos.

Será que não temos o nível de vida do primeiro mundo, por causa dos governantes ou por que somos desonestos ao sonegar os impostos?

Quanta vez, ao pagar o cafezinho da tarde, verifico que as moedas entram directamente na caixa, sem registo, e o mesmo acontece, infelizmente, em muitos estabelecimentos dos mais diversos ramos.

Por vezes ao solicitar orçamento, para reparar objecto ou fazer obras de restauro, em casa, ouço perguntar, se quero factura. E logo acrescentam: - “ O conserto vai ficar mais caro, se quiser! …”

Se todos “roubam” o Estado, este não tem outro remédio senão aumentar impostos. E quem não sonega ou não pode sonegar, é que sempre tem de abrir a bolsa.

Vem todo este introito, para declarar que estou plenamente de acordo com a obrigatoriedade de passar factura, com o número do contribuinte.

Estava a louvar a medida, em local público, quando alguém, que escutava, discordou. E logo esclareceu:

- “Isso é uma forma de se saber quanto dinheiro gastamos… e ganhamos.”

- E que interesse há nisso! - Respondi, não entendendo o receio.

Mas logo esclareceram-me:

- “ Para você, que certamente vive de pensão, tanto dá, mas para quem ganha por fora, isso pode ser a ruína…se há descuido…”

Percebi, então, porque não se pede factura. É que muitos que recebem o salário mínimo ou muito mais, tiram, por fora, outro tanto, limpos de impostos, e ainda têm direito a receber: subsídios, auxílios e bolsas… por serem pobrezinhos…

Por isso, é que vejo muitos indignados, pela medida acertada.

Por isso é que continuamos a ser pais pequenino, em tudo: em tamanho e mentalidade.

É que uns andam, injustamente, sobrecarregados de impostos; e outros, fazendo vida de cigarra, rindo-se dos honestos e patriotas.

Com tantos a sonegar, o que é devido, como podemos ter educação, saúde de boa qualidade, e ainda pensões dignas.?!




HUMBERTO PINHO DA SILVA   -   Porto, Portugal


publicado por solpaz às 12:00
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segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

O SUCESSO DE UMA MENINA RICA - Por HUMBERTO PINHO DA SILVA



    
No início do presente século, conheci senhora, viúva, que pertencia a ilustre família lisboeta.

Dedicava-se às Letras. Tinha vários livros publicados, que oferecia aos amigos. Desconheço se alguma vez chegou a colocá-los nas livrarias.

Já bastante doente, mas muito lúcida colaborava no blogue luso-brasileiro “PAZ”, com poemas e textos, bem escritos e bem curiosos.

Nesse tempo, o blogue, era publicado na comunidade do jornal “SOL”; mais tarde, por motivos técnicos, deixou o “SOL” e sofreu algumas alterações.

Mas, não era intenção abordar o blogue luso-brasileiro, mas sim minha querida amiga, já falecida.

Contou-me, a poetisa, que quando era nova, gostava de escrever poesia. Eram poemas incipientes de quem começa a versejar.

O pai, pessoa influente, conhece-os, e para lhe ser agradável, disse-lhe que iria publicá-los.

Escusado é dizer, que a menina ficou radiante, e não se conteve enquanto não contou, a façanha, às amigas mais íntimas.

O que não esperava, é que o pai fosse solicitar o apoio de conhecido escritor, homem, de nome feito, e autor de romances conhecidíssimos.

Para ser simpático ao amigo – amigo rico e influente, – o escritor pediu a jornalistas e homens de letras, seus conhecidos, que escrevessem palavrinhas amáveis, sobre os poemas, se possível na mass-media.

O livro, quando saiu, vinha com abas e contracapa recheadas de pareceres de nomes pomposos. A menina delirou ao ver o livro nos escaparates, e ainda mais, quando a televisão a convidou para curta entrevista.

Outras obras foram entretanto publicadas, muito mais estruturadas e com textos e poemas de melhor quilate, mas não obtiveram o sucesso da primeira.

Dizia-me, então, minha querida amiga: ”falecido meu pai, nunca mais a critica se preocupou com os meus escritos…”

O êxito não estava na obra, mas no dinheiro paterno, e na influência que este tinha.

Moral da história: O mérito não reside no que se diz, mas de quem o diz. Neste caso, na carteira e relacionamentos paternos.





HUMBERTO PINHO DA SILVA   -   Porto, Portugal


publicado por solpaz às 15:53
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