sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

AMOR DE INFÂNCIA - Por HUMBERTO PINHO DA SILVA






No meu tempo de estudante, tive companheiro, que se tornou intimo amigo. O jovem fora bafejado com traços apolínicos, mas não primava pela inteligência; e somava à desdita, o facto dos pais serem da classe média baixa.

O rapaz conhecera menina, e apaixonou-se. A moça, não sendo de família nobre nem endinheirada, tinha “ nome”, e o bastante para parecer rica.

A rapariguinha, inexperiente na arte de amar, engraçou com ele, demonstrando afeto no olhar, atitudes e atenções.

Deu-se o caso das famílias serem amigas e visitarem-se mutuamente – nessa recuada época era uso fazerem-se visitas e retribui-las, – e as mães, possuidoras de apurada sagacidade feminina, descobriram ou desconfiaram dos encontros furtivos e dos olhos risonhos e brilhantes dos filhos.

A mãe do mocinho rejubilou de alegria, mas o mesmo não aconteceu com a mãe da jovem. Porém, a prudência, aconselhava não revelarem os pensamentos e desejos.

Certa tarde de Primavera - estavam os pequenos nas férias da Páscoa, - encontraram-se para tomarem chá e provarem o bolo de chocolate, feito com receita nova.

A mãe da moça, encaminhou, habilidosamente, a conversa para casamentos.

Disse, que gostava que a filha casasse com médico, pois queria ter na família alguém formado em medicina… A menina, ainda era jovem para pensar nisso - esclareceu, - mas é sempre bom cuidar desde já. Não vá  ser enganada por caçador de dotes…

O rapaz, que tudo ouvira em silêncio, veio contar-me com a tristeza no rosto.

Tocou-me de profunda amargura, o coração, ao confidenciar-me:

“ Se pudesse iria para medicina! …Mas sou burrinho! …Não sirvo para nada!…”

Certo é que a menina esfriou, deixando de corresponder aos ternos olhares do rapazinho; talvez por recomendação materna.

Os anos correram, correram e correram…

Numa tarde chuvosa de Inverno, encontrei o Manel, descendo os “ Clérigos”.

Disse-me que casara e tinha um garotinho de cinco anos.

Falei-lhe da Bélinha. Ficou muito sério, com olhar de espanto, e esclareceu-me, que casara, também.

- “Sabes?... - Confidenciou-me, - nunca a esqueci! Foi paixão entranhada; das antigas! …Daquelas que se cravam no coração… e para sempre ficam…”

Coitado do Manel! …Se tivesse um pouco mais de inteligência e algum dinheiro no bolso ou na bolsa, teria sido o marido ideal da Belinha; a feitiçeirinha que o encantou.



HUMBERTO PINHO DA SILVA   -   Porto, Portugal


publicado por solpaz às 18:50
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quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

A visão e o aprendizado - Por João Bosco leal *



Quando uma pessoa sentou-se no divã e, diante de Rubem Alves disse: "Acho que estou ficando louca, pois adoro cozinhar, faço isso todo dia e hoje, ao cortar uma cebola, percebi que nunca havia visto uma cebola", ele lhe respondeu: "Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta... Os poetas ensinam a ver".

Rubem Alves disse mais: "Ver é muito complicado. Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos dos sentidos, são os de mais fácil compreensão científica. A sua física é idêntica à física óptica de uma máquina fotográfica: o objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro. Mas existe algo na visão que não pertence à física".
 
Sobre a cebola, Pablo Neruda disse: "Rosa de água com escamas de cristal".

Enquanto Adélia Prado disse "Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra", a pedra vista por Drummond deixou de ser uma pedra e virou um poema.

A visão que uma pessoa tem de uma árvore não é a mesma que outra a tem, e nem mesmo daquela própria, se olhada de um ângulo ou em horário diferente. Os ângulos, as sombras e os raios solares provocam visões distintas a cada segundo.

O mesmo ocorre quando relemos um livro que havíamos lido vários anos atrás. Tudo o que vivemos, ouvimos, falamos e aprendemos nesse período, fará com que interpretemos o mesmo livro de maneira totalmente distinta. Trechos pelos quais passamos despercebidamente agora significam muito e, outros, para os quais demos muita importância agora já não nos atraem tanto.

Em determinada ocasião, comentei com um grupo de pessoas, de idades variadas, que estava gostando muito de fotografias, que já havia feito dois cursos, que pretendia fazer outros, e que no domingo anterior havia ido a uma praça exclusivamente para fotografar flores, quando um dos que me ouviam logo disse que fotografar flores era coisa de viado. Nem respondi, porque com pessoas como essas não vale a pena sequer dialogar.

Como homem que viveu a maior parte de sua vida no meio rural, hoje vejo claramente que, na juventude, só queria andar a cavalo, trabalhar o gado, sem jamais procurar saber para que serve uma casca de angico, a cinza do fogão de lenha, a casca de quina, a  folha de unha de vaca, o chá da folha da lixeira e tantos outros ensinamentos que os homens do campo possuem, mas só quando adultos nós procuramos com eles aprender.

 Levei mais de quatro décadas para começar a enxergar coisas pelas quais havia passado a vida toda, sem dar-lhes a menor importância, como a beleza das árvores que se transformavam durante as estações do ano. Secavam, pareciam mortas, depois floriam, semeavam e outras frutificavam.

Aprendi como, nessas estações, os animais também se transformavam. Os pássaros botavam seus ovos, as vacas e as éguas entravam no cio, tudo de modo  que suas crias nascessem na época mais apropriada, quando houvesse mais alimentos, para que as mães, bem nutridas, pudessem também alimentar melhor seus filhos.

Com esse aprendizado, os homens passaram a, imitando a natureza, criar estufas para a produção de flores diversas, irrigar suas lavouras, fazer inseminação artificial em suas vacas e fazer com que seus garanhões cubram suas éguas no tempo correto, para que criem na melhor época.

Esse aprendizado só ocorreu porque alguns "viram" o que ocorria ao seu redor e não somente passaram por lá sem realmente observar o que acontecia. 

Ver é um aprendizado diário para aqueles que possuem olhos ou não.

João Bosco Leal*
*Jornalista e empresário