sexta-feira, 23 de maio de 2014

Pais e filhos - Por João Bosco Leal (*)




Todos têm a oportunidade de crescer aprendendo com seus próprios erros, mas isso pode ser facilitado quando temos a humildade de ouvir os mais velhos e experientes, pois o aprendizado sempre foi doloroso, repleto tropeços e quedas, mas aprender com os erros de outros nos dá a oportunidade de atravessar obstáculos sem neles tropeçar.

A música "Father and Son", de Cat Stevens, hoje Yusuf Islam, um grande sucesso de minha juventude, resume claramente a dificuldade de diálogo entre as gerações e como, para um pai, é difícil ver os caminhos errados tomados pelo filho que não o ouve.

Por mais que os pais errem na educação de seus filhos, certamente pensavam estar certos ou não teriam agido daquela forma, pois o amor pelos mesmos vem de antes mesmo de nascerem e a eles só desejam o melhor, em todas as áreas.

Há poucos dias um amigo dentista me contava como é comum atender pacientes cujos pais nunca mandavam tratar dos dentes de seus filhos e sim mandavam extraí-los quando surgia algum problema com um deles. É um comportamento inimaginável nos dias atuais, mas aqueles pais de quarenta anos atrás pensavam que, com aquela atitude, seus filhos nunca mais teriam problemas com o dente extraído e que no futuro, quando já não restasse mais nenhum, colocariam uma "dentadura" e teriam o sorriso bonito e sem a possibilidade de novos problemas.

Aquele profissional comentou também que isso atualmente ainda é muito comum no interior do país e que pessoas ainda muito jovens quase já não possuem dentes em decorrência desta cultura existente na mente de muitos pais. Com seu relato, passei a imaginar o trauma vivido por jovens que já quase não possuem dentes e que necessitam retirar os últimos que ainda possuem para iniciar um tratamento que hoje se daria com enxertos ósseos e implantes, para posterior aplicação de uma dentadura fixa.

Entretanto, mesmo em casos radicais como estes, que muitas vezes são verdadeiras mutilações, certamente estes pais só tiveram este comportamento por ignorância, mas jamais por desejarem mal a um filho, pois desconheço um pai que, mesmo ignorante, não ame seus filhos e por eles não dariam a própria vida.

Muitos pais ensinam seus filhos a lutar por tudo o que almejam galgar na vida profissional, emotiva ou financeira, contra injustiças, a respeitar os mais velhos e até sugerem profissões que sabem ser mais lucrativas, proporcionam escolas que os tornariam altamente capazes, mas anos depois, no futuro, se deparam com filhos desanimados, que não lutam pelo que desejam; escolheram profissões que pouco lhes remunera ou que não se dão bem em profissão alguma; incapazes, financeiramente acomodados, emocionalmente infelizes ou, pior, desejando até a morte dos pais para, com isso, herdar o que estes ou seus antepassados construíram.

William Shakespeare já dizia: "Em certos momentos, os homens são donos dos seus próprios destinos" e, paras os pais, é muito difícil não ser ouvido pelos filhos e perceber que sofrem mais do que o necessário por aprenderem com os próprios erros, quando se ouvissem, pelo menos em alguns pontos poderiam ter aprendido com os erros já vividos por outros.                    

Apesar dessa dificuldade de comunicação ser comum há diversas gerações - com os filhos sempre achando que sabem mais que os pais -, sempre podemos encontrar jovens que se sobressaem, que erram menos e, observando seu comportamento, é fácil perceber que grande parte de seu sucesso se deve à sua humildade de respeitar e sempre ouvir os mais velhos.

Pena que muitos só consigam enxergar esta realidade quando os pais já se foram, ou já são velhos demais para ensinar algo que os transformaria em pessoas melhores, mais capazes e menos sofridas, quando alguns, que talvez dessem mais valor aos seus, não tiveram a felicidade de sequer ouvir a voz do pai.

Falta humildade a quem, ciente do cometimento dos mesmos por seus próprios pais ou por terceiros, aprende somente com os próprios erros.
João Bosco Leal*                www.joaoboscoleal.com.br
*Jornalista, escritor e empresário

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Nossas limitações - Por João Bosco Leal

  • 16 de maio de 2014 
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Moto JB em Cachoeira no Pico da Serra do Rio do Rastro 02Freud disse: “A morte é o alvo de tudo que vive” e, portanto, ficar velho e cheio de rugas é o natural. É impossível ser eternamente jovem, pois a vida passa a cada segundo; em poucas horas mais um dia já se foi e que restou dele foram apenas lembranças, boas ou ruins, mas só.
Assim, não adianta mentir ou enganar-se com toques e retoques, pois a cada instante estamos mesmo, cronologicamente, envelhecendo e isso vem ocorrendo desde o nosso nascimento. O que sempre nos restará, é viver cada dia e um futuro incerto, se houver.
Com essa consciência, a virada de páginas ou fases é fundamental para que o passado se torne apenas passado e não nos machuque com as dores que já não poderão ser curadas e, por isso, devem ser deixadas em sua época.
Outro dia li algo hilário, mas bastante realista, de um homem que disse à sua esposa: “me use, estou acabando”. O mesmo ocorre com tudo o que estiver à nossa volta: estará acabando e por isso devemos viver, intensamente, todas as nossas amizades, paixões, amores e tudo o que for possível, pois também serão finitas.
Há poucos dias, fiz uma viagem de moto de aproximadamente três mil e quinhentos quilômetros entre a ida e a volta e, anos atrás, já havia realizado outra em que, juntamente com minha esposa à época percorremos, durante vinte e oito dias, praticamente o triplo desta distância por quatro países.
Entretanto, nesta, percebi nitidamente a diferença que fisicamente estes seis anos entre uma e outra me provocaram. Fiz a primeira com uma disposição incomparável em relação a esta. Agora, ao final de cada dia, estava exausto e só queria chegar ao hotel, tomar um banho e dormir.
Lembro-me perfeitamente que no último dia da primeira, percorremos duzentos quilômetros a mais que o previsto só para concluí-la, pois estávamos com disposição para tal e chegamos ainda bastante dispostos.
Em uma rede social onde vinha postando fotos sobre a viagem que agora realizava, li um comentário de minha filha sobre isso, dizendo que, apesar de feliz por ver o pai fazendo o que gosta, estava com “o coração na boca”. Ela se referia ao fato de eu já haver sofrido um acidente de moto que me levou a diversas cirurgias e para a cama por dois anos. Meu filho também já fizera diversos comentários insinuando que eu certamente poderia optar por um hobby menos arriscado.
Era o que precisava para despertar em mim uma série de questionamentos sobre aquela minha aventura. Meu tempo de viajar de moto acabara e eu não havia reconhecido isto. Estava causando preocupações em meus filhos e – tinha de reconhecer – meu corpo já não tinha a mesma destreza e disposição quanto na viagem anterior.
Muitos dizem que moto foi feita para cair, que é perigosa e etc…, mas nada disso havia me chamado tanto a atenção como o fato de ver meus filhos preocupados com a possibilidade da repetição de algo que já havia ocorrido e que, realmente, havia sido difícil para todos nós.
Pensando nisso, parei na maior cidade por onde estávamos passando e lá deixei minha moto em consignação para venda, fazendo os mil quilômetros restantes da viagem de avião. Foi uma decisão dolorosa, triste porque gostava muito de viajar de moto, mas assim, virava uma página da vida que eu não percebera que acabara e quando se escreve sua história em uma página já finda, corre-se o risco de torná-la um rabisco incompreensível para o próprio autor.
Reconhecer suas capacidades e limitações é o pré-requisito para a longevidade, a felicidade e a paz.

domingo, 11 de maio de 2014

SÓ AGORA COMPREENDI A DIMENSÃO DA CRISE - Por HUMBERTO PINHO DA SILVA


 







Ao começo da noite, num domingo chuvoso, deste rigoroso Inverno, estava sentado junto a mesa de pizzaria.

A sala, parcamente iluminada, encontrava-se quase deserta.

Menina, que não devia ter dez anos, sentada ao fundo do estabelecimento, jogava, compenetrada, xadrez com o computador.

Jovem, de gastas calças de ganga azul, desbotadas e rotas, cabelo com larga melena ruiva, cruzava, a passadas de gigante, o salão, falando, a meia voz, ao telemóvel.

Mal entendia a conversa. Apenas escutei palavras soltas: Compreendo… Não peço muito…Por favor…Preciso de trabalhar…Obrigado…

Idosa, alta, magra, modestamente trajada, de porte senhoril, denotando ter tido princípios e posses, acercou-se de mansinho da minha mesa, e em voz sumida, em surdina, disse:

- “Por favor: dê-me um bocadinho!…”

Olhei para a mulher: tinha faces pálidas, olhos encovados de cor castanha, sem brilho, que pediam compaixão.

Era hora de jantar. Peguei na “cunha” e arranquei pedaço da piza, que acabara de ser colocar diante de mim.

Agradeceu com um “obrigada“, escapulindo, disfarçadamente, entre mesas vazias.

Encontrei-a, ao sair, sentada no banco da pracinha, defronte à pizzaria, em local recatado.

Voltou-se, erguendo os olhos tristes. Agradeceu novamente: - “ Obrigada. Estava muito boa!…”

Provavelmente o que lhe dei foi o jantar que não teve; e - quem sabe? - se também almoçou.

Regressei com funesto pensamento: Não se pode ser idoso em Portugal!

Amigo meu, condenando o “ castigo” infringido aos idosos, baixando-lhes substancialmente as reformas e pensões, e lançando muitos no desespero, dizia-me preocupadíssimo:

- “Por que não alterar o IRS? É o imposto menos injusto que há, e pode-se, deste jeito, corrigir injustiças, beneficiando as famílias numerosas, e as que só um dos conjugues, recebe ordenado ou pensão?"

Concordei; mas que vale concordar? Se é mais fácil e molesta menos a “elite”, diminuir pensões a quem não tem poder, influência, nem força, para lutar, do que fazer justiça…



HUMBERTO PINHO DA SILVA   -   Porto, Portugal


publicado por solpaz às 11:54
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